Oito dúvidas sobre o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Prestes a completar 25 anos no dia 13 de julho, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) surgiu para garantir a proteção efetiva de meninas e meninos brasileiros sob os cuidados de uma legislação específica.
Os artigos 3 e 4 do ECA, acima citados, são bastante claros em relação aos direitos fundamentais – a despeito das dificuldades ainda existentes para certificar a proteção integral. A fim de fortalecer a implantação da lei e de criar novos órgãos de defesa, o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) se consolidou em 2006, inspirado no ECA, por meio da Resolução 113 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
Muitas dúvidas, porém, persistem em relação à diversidade de órgãos que compõem o Sistema. Quem são os profissionais e entidades responsáveis pela área? A quem recorrer para resolver problemas que deixam garotos e famílias em situação de vulnerabilidade? Qual a diferença entre Centros de Referência da Assistência Social (Cras), Centros de Referência Especializados da Assistência Social (Creas) e Conselhos Tutelares, por exemplo?
O Promenino conversou com o especialista Ariel de Castro Alves para responder a essas perguntas. Dono de uma extensa trajetória na área dos direitos humanos, Alves listou as 8 principais dúvidas em relação ao Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente. Confira:
1. Quem são os atores do Sistema de Garantia dos Direitos?
Ariel de Castro Alves: Conselheiros tutelares, promotores e juízes das Varas da Infância e Juventude, defensores públicos, conselheiros de direitos da criança e adolescente, educadores sociais, profissionais que trabalham em entidades sociais e nos Centros de Referência da Assistência Social [Cras], policiais das delegacias especializadas da criança e adolescente, integrantes de equipes técnicas das Varas da Infância e Juventude, membros de entidades de defesa dos direitos humanos de criança e adolescentes, entre outros.
2. Quais são os principais órgãos de defesa, promoção e controle
dos direitos da criança e do adolescente?
Ariel de Castro Alves: Entre outros, estão: Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Conanda); Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente; Coordenadorias e Varas da Infância e Juventude dos Tribunais de Justiça dos Estados; Promotorias da Infância e Juventude; Defensorias Públicas; Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedecas) e Organizações Não Governamentais (ONGs) de defesa e promoção dos direitos da criança e do adolescente; Delegacias Especializadas da Criança e do Adolescente; Conselhos Tutelares; a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, as secretarias estaduais e municipais de Direitos Humanos e de Assistência Social.
3. O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente está distribuído em três eixos estratégicos: Defesa, Promoção de Direitos e Controle Social. Quais as diferenças entre eles?
Ariel de Castro Alves: O Eixo da Defesa consiste no acesso à Justiça para a proteção legal dos direitos humanos de crianças e adolescentes, para lhes assegurar a exigibilidade, impositividade, a reparação de direitos violados e a responsabilização de possíveis violadores.
Nesse eixo temos, por exemplo, as Varas da Infância e Juventude e demais órgãos do Poder Judiciário, como as Varas Criminais, as Comissões de Adoção, as Corregedorias dos Tribunais, as Coordenadorias da Infância e Juventude, entre outras.
Também situadas neste eixo estão as Defensorias Públicas e os Serviços de Assistência Jurídica Gratuita, as promotorias do Ministério Público, as Polícias, os Conselhos Tutelares, Ouvidorias, Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedecas), além de outras entidades e instituições que atuam na proteção jurídico-social.
Já o Eixo da Promoção se baseia no desenvolvimento e na execução da Política de Atendimento às Crianças e Adolescentes, de forma transversal, intersetorial, articulando todas as políticas públicas e integrando ações. Tem como finalidade a satisfação das necessidades básicas através de políticas públicas, garantindo os direitos das crianças e adolescentes por meio do cumprimento dos deveres da família, do Estado e da sociedade.
Neste eixo, estão situados: saúde, educação, esportes, cultura, Assistência Social, inserção no mundo do trabalho, entre outras áreas de efetivação de políticas públicas e serviços sociais. Nele, também estão as Políticas de Proteção Básica e as de Proteção Especial, como os Programas de Execução das Medidas de Proteção (como o acolhimento institucional) e os Programas de Execução de Medidas Socioeducativas, como a liberdade assistida.
Na Promoção atuam os executores das políticas públicas responsáveis pelo atendimento das crianças e adolescentes nas políticas de proteção básicas e de proteção especial, como as secretarias de governo de Assistência Social, de Justiça e Cidadania, Direitos Humanos, de Saúde, Educação, Esportes, Cultura, Trabalho, entre outras, que executam programas e serviços na área da infância e juventude. Também participam fundações públicas ou privadas, ONGs e demais entidades da sociedade civil que realizam serviços e programas. As famílias devem ser as promotoras principais dos direitos infantojuvenis, ao lado de instituições, setores e entidades.
Por sua vez, o Eixo do Controle da Efetivação de Direitos realiza o monitoramento, a fiscalização das ações públicas de promoção e defesa, por meio de instâncias públicas colegiadas, com paridade entre governo e sociedade civil. São os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, sejam municipais, estaduais ou nacional e os Conselhos Setoriais nas áreas afins, como Conselhos de Saúde, Educação, Assistência Social, entre outros.
Os Conselhos contribuem na formulação das políticas públicas, deliberando e vinculando normas técnicas, resoluções, orientações, planos e projetos. Também devem monitorar a execução dos orçamentos, a efetivação e os resultados das políticas públicas. O controle é também exercido por entidades, Ministério Público, Poder Legislativo, Defensorias Públicas, Conselhos Tutelares, entidades da sociedade civil, cidadãos e pelos Fóruns de discussão e controle social.
Confira a história do Sistema de Garantia de Direitos em uma animação
da Escola de Conselhos de Pernambuco
4. Como surgiu o Conanda e qual seu papel na proteção dos direitos da infância e adolescência?
Ariel de Castro Alves: Os Conselhos de Direitos surgem com base no Princípio da Democracia Participativa, previsto na Constituição Federal de 1988. O artigo 88, inciso II, do ECA, dispõe sobre a criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, como órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais.
O Conanda é um órgão colegiado de composição paritária, integrado por 28 conselheiros titulares e 28 suplentes. São 14 representantes do Poder Executivo e 14 representantes de entidades não governamentais que possuem atuação em âmbito nacional e atuação na promoção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Suas competências estão no artigo 2º da Lei 8.242, de 1991.
5. Quando se deve procurar o Conselho Tutelar, o Cras, o Creas e a Assistência Social?
Ariel de Castro Alves: Diante de violações aos direitos, situações de risco, necessidade de medidas de proteção às crianças e aos adolescentes e medidas pertinentes aos pais ou responsáveis, a população pode comparecer aos Conselhos Tutelares, Centros de Referência da Assistência Social (Cras) e Centros de Referência Especializados da Assistência Social (Creas).
Os Conselhos Tutelares foram criados pelo ECA como “órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente”. Entre as atribuições, temos, conforme o artigo 136 do ECA: atender crianças e adolescentes em situação de risco, aplicando medidas de proteção previstas em lei; atender e aconselhar os pais ou responsáveis, aplicando as medidas pertinentes; requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança; representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações; encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente, entre outras.
Os Cras (Centros de Referência da Assistência Social) são definidos pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) como “uma unidade pública estatal descentralizada da Política Nacional de Assistência Social (PNAS). O Cras atua como a principal porta de entrada do Sistema Único de Assistência Social (Suas), dada sua capilaridade nos territórios e é responsável pela organização e oferta de serviços da Proteção Social Básica nas áreas de vulnerabilidade e risco social. Além de ofertar serviços e ações de proteção básica, o Cras possui a função de gestão territorial da rede de assistência social básica, promovendo a organização e a articulação das unidades a ele referenciadas e o gerenciamento dos processos nele envolvidos. O principal serviço ofertado pelo Cras é o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (Paif), cuja execução é obrigatória e exclusiva. Este consiste em um trabalho de caráter continuado que visa a fortalecer a função protetiva das famílias, prevenindo a ruptura de vínculos, promovendo o acesso e usufruto de direitos e contribuindo para a melhoria da qualidade de vida.”
Com relação aos Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), o MDS os define como “uma unidade pública e estatal, que oferta serviços especializados e continuados a famílias e indivíduos em situação de ameaça ou violação de direitos (violência física, psicológica, sexual, tráfico de pessoas, cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto, etc.). A oferta de atenção especializada e continuada deve ter como foco a família e a situação vivenciada. Essa atenção especializada tem como foco o acesso da família a direitos socioassistenciais, por meio da potencialização de recursos e capacidade de proteção. O Creas deve, ainda, buscar a construção de um espaço de acolhida e escuta qualificada, fortalecendo vínculos familiares e comunitários, priorizando a reconstrução de suas relações familiares. Para o exercício de suas atividades, os serviços ofertados nos Creas devem ser desenvolvidos de modo articulado com a rede de serviços da assistência social, órgãos de defesa de direitos e das demais políticas públicas”.
6. Qual a diferença entre Juizado da Infância e Juventude, Ministério Público e Defensoria Pública? Como cada esfera cuida das questões relacionadas aos direitos das crianças e dos adolescentes?
Ariel de Castro Alves: As Varas da Infância e Juventude têm suas competências previstas no ECA, através do artigo 148, como as de receber representações promovidas pelo Ministério Público para apuração de ato infracional atribuído a adolescente, aplicando as medidas cabíveis; apreciar pedidos de adoção; processar ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente; conhecer ações decorrentes de irregularidades em entidades de atendimento, aplicando as medidas cabíveis; aplicar penalidades administrativas nos casos de infrações contra normas de proteção à criança ou ao adolescente; conhecer casos encaminhados pelo Conselho Tutelar, também aplicando as medidas necessárias, entre outras atribuições.
O Ministério Público é um órgão de Estado que atua na defesa do Estado de Direito, da ordem jurídica, fiscalizando o cumprimento das leis e promovendo ações em defesa dos interesses públicos, da cidadania e dos Direitos Humanos. Na área da criança e do adolescente, foram criadas as promotorias da infância e juventude com a finalidade de assegurar seu acesso à educação; zelar pelo direito à convivência familiar e comunitária; atuar contra a violência, negligência e outras situações de risco envolvendo crianças e adolescentes; propor ações de responsabilização do adolescente que comete ato infracional; garantir às crianças e aos adolescentes o atendimento à saúde, incluindo medicamentos necessários; cobrar dos municípios a implantação dos Conselhos Tutelares, dos Conselhos de Direitos e de todos os serviços e programas sociais voltados às crianças e adolescentes previstos no artigo 87 do ECA, podendo, para tanto, instaurar inquéritos civis e ingressar com ações civis públicas.
As Defensorias Públicas têm o papel de prestar assistência jurídica integral e gratuita às pessoas. O artigo 134 da Constituição Federal prevê que “a Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados”. Na Justiça da Infância e Juventude, as defensorias atuam na defesa técnica dos adolescentes acusados da prática de ato infracional; em ações civis públicas visando a garantia de atendimento integral à saúde de crianças e adolescentes; na efetivação do direito à educação com a garantia de acesso aos ensinos Fundamental e Médio e na defesa de programas e de serviços sociais de atenção integral.
7. O Disque 100 ainda é o melhor canal para que o denunciante ganhe as orientações corretas no caso dos direitos das crianças e dos adolescentes ou há outro caminho?
Ariel de Castro Alves: O Disque 100 é um serviço de utilidade pública mantido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH). O serviço também presta orientações e faz indicações de órgãos públicos e de entidades de atendimento próximas aos cidadãos. O Disque Direitos Humanos funciona 24 horas, em todo o Brasil, por meio de ligações gratuitas. O denunciante não precisa necessariamente se identificar. Segundo a Secretaria, “as denúncias recebidas são analisadas e encaminhadas aos órgãos de proteção, defesa e responsabilização em direitos humanos, no prazo máximo de 24 horas, respeitando as competências e as atribuições específicas, porém priorizando qual órgão intervirá de forma imediata no rompimento do ciclo de violência e proteção da vítima.” Creio que o Disque 100 é o melhor meio de os cidadãos do país poderem denunciar ou procurar orientações em casos de violência, abusos ou exploração sexual e negligência envolvendo crianças e adolescentes.
8. Quais os principais desafios para que o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente funcione de forma plena?
Ariel de Castro Alves: É preciso um olhar atento para os seguintes assuntos:
1) Fortalecimento e/ou estruturação adequada dos Conselhos Tutelares e dos Conselhos de Direitos.
2) Implantação e/ou estruturação adequada das delegacias especializadas da criança e do adolescente.
3) Implantação e/ou estruturação adequada das Varas Especializadas da Infância e Juventude, respeitando os critérios de exclusividade, proporcionalidade populacional e da existência de equipes técnicas multidisciplinares.
4) Implantação e/ou estruturação adequada das Defensorias Públicas e das Promotorias da Infância e Juventude, respeitando os critérios de exclusividade, proporcionalidade populacional e da existência de equipes técnicas multidisciplinares.
5) Efetividade do Sistema de Proteção Social, com a existência dos programas e serviços especializados de atendimento e proteção à Infância e Juventude, incluindo atendimento de famílias; enfrentamento ao abuso e exploração sexual; erradicação do trabalho infantil; atendimento de drogadição; atendimento às vítimas de maus-tratos e violência; Convivência Familiar e Comunitária; Medidas Socioeducativas; oportunidades e inclusão por meio de uma Rede de Proteção Consolidada e Permanente.
6) Criação de Centros de Referência Especializados da Criança e Adolescente.
7) Criação de uma lei específica sobre os parâmetros, atribuições e funcionamento do Sistema de Garantia de Direitos.
8) Formação permanente e continuada dos integrantes do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.
9) Respeito aos princípios da intersetorialidade, integração e indivisibilidade dos direitos na formulação e execução das Políticas Públicas.
10) Garantia da destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude, conforme aponta o Parágrafo Único do artigo 4º do ECA.
Fonte: Site Promenino